9 - poesia / pintura

POESIA


claridade que esmorece suavemente ao cair da noite     o mundo mergulha num sonho de nuvens coloridas pelo pôr-do-sol        desenho de criança onde  nunca pousou o mal      viver a vida sempre assim      como se não existisse memória     o perfil das casas banais torna-se bonito      colorido  pelas luzes da noite       nesse lugar onde    não existia  a dor
6 . julho . 2013



de regresso às tardes sem rumo     à densidade caótica de recife     cheiros fortes     ruas babélicas de gente    quase sem rosto      uma conformidade disforme onde    quase tudo se passa  e não se passa nada       por entre uma leve sensação  de ameaça incipiente     feita da ignorância à espreita nas esquinas do caminho.   um regresso à tranquilidade     mesmo pousada no saber       de que pouco pode ser feito       exceto  viver.
29 . junho . 2013



o teu rosto escreve-se em letras limpas no horizonte da claridade.     sento-me na sensação de tardes serenas       por entre a modernidade dos sítios de comércio.      guardo os sabores        pedaços fugazes dos dias       memórias     para um tempo     que há-de vir       que há-de vir.
13 . junho . 2013



dias mais claros    manhãs de resistência e luta  sob o sol forte de verão   a liberdade vive no centro da memória livre    no centro da alegria      aqui de mãos limpas      à espera de nada e de tudo        resistindo ao cansaço       que mina     o curso solto dos dias.
12 . junho . 2013



as montanhas em volta aprisionam o olhar     mas não os olhos da esperança     sobrevivo ao medo e à pressão da indignidade       a ave solta-se    voa muito além do frio    da obscuridade     muito além das montanhas   presas à sua fixidez verde-escura        o comboio está prestes a partir     como sempre      vou tomá-lo à hora certa        à hora certa     meu amor.
11 . junho . 2013



goya
rosto de anjo dolorido de espanto     luz central que ilumina só o que deve ser iluminado      a partir de dentro       de dentro     coisas que vibram como auroras-sem-nunca          baionetas apontadas ao peito     homens indefesos        rostos torturados de toda a dor       de toda a revolta       em estado puro.
10 . junho . 2013



à procura de sugar man
rostos bonitos de raparigas  sonhos claros no ar.  um menino velho  perfil negro   cambaleante    em contraluz no puro branco da neve. cidade de detroit:   prédios contra o sol-poente de inverno     coleção de tótens índios a arder     pessoas simples   borboletas limpas na paisagem   onde ninguém quer ser   quem não é.  o fantástico músico   desconhecido aqui   idolatrado lá     onde chora-a-terra-bem-amada de mandela.  o operário feliz  veste-se como príncipe   para limpar casas sujas   disse alguém:  o artista é um ser superior   faz de cada ato beleza quotidiana.   rostos limpos     pura emoção    não escondida em palavras   nem em nada:   só o orgulho de se ser quem é   tão pouco nas mãos.  negro perfil de menino velho cambaleando pela neve.   a cidade anoitece em  contraluz
7 . junho . 2013




dias de raiva e mentira    notícias da falsidade  perigosa em que nos mergulham    tanta pressa para nada     uma desconformidade interior     a luz navega-se     como imensidão de claridade marítima inatingível     o corpo sofre a corrida sólida      amanheceres que não chegam    a aurora cola-se-te     quando te passam ao lado    catadupas de névoa mortífera      tsunamis de insanidade incontornável        à deriva       na subiluminação dos dias.
6 . junho . 2013




respiram-se dias sôfregos     as pessoas são tão pobres de saber      tenta-se sobreviver a custo na paisagem anestesiada     na tv passam vídeos antigos     cindy lauper      mágica com suas músicas de amor   e desespero  e fuga   e ternura   que nos dizem    descubro-o agora     toda a fragilidade de quem é largado no mundo          imensamente povoado de pessoas tão sós       que se enganam a si próprias        aumentando o volume   do brilho fátuo eletrónico    até ao dia         do reencontro     a ternura verdadeira.
4 . junho . 2013



da tua sombra irrompem fios de luz     em volta     contornos de ouro    a  claridade  ofusca    quase levitando    de que matéria são feitos os sonhos    à partida para uma viagem maior    ao centro do destino.    curar as feridas   longamente acumuladas no peito      sair do túnel escuro da dor.
3 . junho . 2013




Um adeus tropical   que sorva a frescura da noite    para que a memória não seque no coração    não o submerja na vulgaridade dos dias. Lembro-te    lenço vermelho ao pescoço    na fotografia     como passaporte imutável para o futuro.  Não desisto.    Sempre   em teu nome    em meu nome   em nome de todos.  Até à primavera adiada   gotas de chuva  que não cessam  nunca.
À Odete
30.Outubro.2012


A noite entrou fresca pelos olhos limpos por todos os poros da pele. O fumo e o cansaço à volta esvairam-se por entre sorrisos tímidos das moças empregadinhas na cidade enérgica.   Regresso ao sentimento da pureza de mim.   Sem alvoroço.   Sem cupidez.   Sem más assombrações.   Recupero a luz ausente dum tempo vertiginoso e cego. Caminho. Mãos e pés firmes. Via sempre iluminada.   Até ao coração.
27.Setembro.2012


Lanço um voo noturno rumo ao futuro.  A paisagem é um animal alado incansável. O fluxo de energia palpitante redemoinha    preparando as torrentes a haver.     Desaguo num oceano de claridade indizível   com nome de estrelas onde a escuridão nunca existiu.  Única arma:  a emoção.     Leis gravadas a lume frio na pele  todas as mãos abertas de espanto matinal.  O teu horizonte ferve por dentro    evapora-se nos olhos.  Reinventas os nomes todos.   Paisagem de pássaros vermelhos.     Anoitece.
29.Nov.2011


Reescrevo uma ideia de vida. Luz por entre a névoa. Descoberta. Vertigem. Tempo súbitamente  límpido.   Brisa azul    quase incolor.   Lucidez grata.   Dias desiguais.   Respiro cada segundo:   saudade de todas as viagens por fazer.  Uma sombra percorre ainda a luz  dilui-se nela.   Flores na paisagem. Gigantes  alimentando-se de  sol    vento   energia indizível.  Pessoas tão desarmadas.  Uma imperceptível faúlha percorre-lhes os olhos:  ilumina os dias.
12.Nov.2011

Rui Tojal



PINTURA

Vida e pintura de Van Gogh (impressionista). Descrição em vídeo.
Para ver e ouvir, clique aqui:


Ou, se quiser olhar todas as suas pinturas, sem comentários, AQUI

A máquina-de-escrever (pintura)


- nasceu em Manhufe - Amarante, em 1887,
morreu em 1918














(pintura)

Cruzeiro Seixas 
Pintor e poeta surrealista
- nascido na Amadora em 1920

Ver entrevista inédita à revista Time-outO olhar sábio dum homem que viveu quase todo o século XX: o Surrealismo é um  pontapé.
- blogue"O funcionário cansado"




POESIA

(...)
Por vezes tudo se ilumina.

Por vezes sangra e canta.
Eu digo que ninguém se perdoa no tempo.
Que a loucura tem espinhos como uma garganta.
Eu digo: roda ao longe o outono,
e o que é o outono?
As pálpebras batem contra o grande dia masculino 
do pensamento.
(...)

Herberto Helder - Ver poema completo em  Escriptografias




um adeus português  
Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada
Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor

Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver

Não podias ficar nesta casa comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual

Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal

Mas tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser

Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal

Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti


alexandre o'neillno reino da dinamarca (1958) poesias completas
assírio & alvim
2000